Pular para o conteúdo

Edição 22 – Junho de 2022

A MELANCOLIA NA HISTÓRIA

Pensando o fenômeno em perspectiva global

 Maria Daniela Bastos[1]

Sergio Schargel[2]

É vasto o amonte teórico-literário que tenta alcançar o âmago daquilo que se conhece como pelo nome de melancolia, palavra derivada do grego μελαγχολία e que designa uma tristeza vaga, funda e atuante. Ao longo das idades, muitas foram as tentativas de cerzir aquilo que a diferenciava dos outros humores corporais e, assim, muitas especulações e saberes foram elaborados. Foi vista como desequilíbrio entre as substâncias dos quatro humores; como a ausência de Deus; como traço de genialidade; e, a partir da revolução copernicana que Freud (2013) realiza, como uma relação de tanatofilia que surge em decorrência da perda de um objeto libidinal não identificado. Enzo Traverso (2018) expande as ideias de Freud (2013) e as aplica à política, denominando de melancolia de esquerda duas manifestações distintas, uma ativa, a dialética da derrota, e uma passiva, a perda do futuro idealizado. Para Traverso, o polissêmico campo que se compreende por esquerda, de comunistas a sociais-democratas, sempre manifestou uma melancolia intrínseca, não apenas pelas sequenciais e diversas derrotas políticas, mas, tanto mais, pelo esvaziamento do presente em prol de um futuro idealizado.

A proposta desse dossiê é explorar as relações as relações entre luto, melancolia, história e memória, em uma perspectiva global, isto é, que privilegiem relações transculturais, comparativas, transnacionais e/ou interdisciplinares. Desta forma, a intenção é privilegiar propostas que explorem a melancolia como condição que ultrapassa barreiras de tempo e espaço – em verdade, sua fons et orig ganha novos contornos e contrastes dado a modulação que a cultura imprime na subjetividade de cada época. Assim, se tornará possível enriquecer o estado da arte em diversas frentes com visões heterogêneas, bem como contribuir para os estudos globais a partir da ótica de um fenômeno milenar.

Submissões podem ser voltadas para, mas não limitadas, aos seguintes eixos temáticos:

I) A literatura e a arte da melancolia: como manifestações artísticas absorvem a dor, a memória, a ausência de sentido e a transformam em potência criativa? (Ex.: visões comparativas entre a literatura de Paul Celan e Primo Levi).

II) A relação da história com o luto e a melancolia (ex. a visão da antiguidade, a visão medievalista, a visão da psicanálise).

III) A melancolia na teoria política (ex.: Melancolia de esquerda, obra de Enzo Traverso; o trabalho da psicanalista Maria Rita Kehl sobre melancolia, ressentimento e fascismo).

IV) Pós-memória e melancolia (ex.: pós-memória na terceira geração de sobreviventes do Holocausto).

V) A melancolia na linguística (ex.: como o conceito se transpõe entre os idiomas).

A proposta se derivou a partir de um diálogo interdisciplinar entre as pesquisas dos proponentes.

[1] Mestranda em Letras pela UFJF. Sua pesquisa e produção acadêmica refletem acerca das diversas manifestações da morte em vida, seja aquela de ordem psicológica e/ou simbólica na estrutura interna da obra de Pedro Nava. E-mail: mariadanielabelfort@outlook.com.

[2] Doutorando em Letras pela USP, doutorando em Comunicação pela UERJ, doutorando em Ciência Política pela UFF. Mestre em Letras pela PUC-Rio, mestrando em Ciência Política pela UNIRIO. Sua pesquisa e produção artística são focadas na relação entre literatura e política, tangenciando temas como teoria política, literatura política, pós-memória, antissemitismo e a obra de Sylvia Serafim Thibau. E-mail: sergioschargel_maia@hotmail.com.